O SARS CoV- 2 utiliza como receptor celular a enzima ACE2 . Estes receptores encontram-se em maior quantidade (cerca de duas vezes mais) nas glândulas salivares menores presentes em toda a cavidade bucal do que no epitélio pulmonar. Partículas do RNA viral são encontradas na saliva de pacientes assintomáticos, antes mesmo de manifestarem lesões pulmonares, representando um período ativo de transmissão e uma janela terapêutica. Desta forma, estudos sugerem que as glândulas salivares funcionam como reservatório de replicação viral e a saliva, como meio transmissor, através de gotículas e aerossóis expelidos durante a fala, tosse, espirro e alguns procedimentos que abordam a cavidade bucal. (Xu et al., 2020; Xu et al., 2020)
Os profissionais atuantes terapia intensiva (médicos, cirurgiões dentistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e fonoaudiólogos) abordam constantemente a cavidade bucal e, portanto, estão expostos ao contágio. Estudos in vitro; em superfícies, e realizados em seu homólogo biológico, antigo coronavírus (SARS), apontam a efetividade dos agentes oxidantes, como o peróxido de hidrogênio, no combate ao SARS-CoV-2. Desta forma, a American Dental Association (ADA) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) apontam o uso do peróxido de hidrogênio como uma forma de redução de carga viral bucal, pré-procedimento, em pacientes suspeitos ou positivados para COVID-19.
A contenção precoce e a prevenção de propagação adicional serão cruciais para reduzir o surto em andamento e controlar a contaminação de profissionais de saúde. Causal ou casual, as unidades intensivas que aderiram a esta recomendação apresentam substancial diferença casuística de profissionais contaminados pela prática, do que aquelas que não aderiram à mesma.
O uso do digluconato de clorexidina em solução aquosa para higiene bucal é uma prática rotineira nas unidades de terapia intensiva (UTI), para redução de carga bacteriana e consequente a incidência de formação do biofilme bucal (AMIB 2019). A sua ação sobre o SARS- Cov-2 parece, até o momento, não ser efetiva, porém este vírus sofre inativação química por agentes de oxidação como o etanol, peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio. (Kampf et al., 2020; Goyal et al., 2020; Kampf et al., 2020; Kratzel et al., 2020).
Estudos randomizados demonstram a ação sinérgica entre peróxido de hidrogênio, na concentração de até 3,0%, coadjuvante ao digluconato de clorexidina, na concentração de até 0,2% como positiva na redução de carga microbiana bucal e infecções pulmonares; com baixa citotoxidade e diminuição dos de efeitos adversos. (Dona et.,1998; Mirhadi et al., 2014).
O peróxido de hidrogênio na concentração de 1 a 3% já há muito tempo é de uso clínico odontológico na forma de bochecho ou por embrocação, sobre os tecidos comprometidos. Sua ação oxidante se dá através dos radicais livres de hidroxilas que produzem danos na membrana lipídica do vírus e a nível de esporos desorganiza o ácido dipocolínico, molécula que oferece capacidade de resistência ao vírus. (Dona et.,1998; Mirhadi et al., 2014).
Sua ação de oxidação se dá praticamente apenas no momento da aplicação (baixa substantividade e toxicidade), podendo o peróxido de hidrogênio, preconizado na concentração de 1% a 1,5%, ser utilizado por conveniência e em todos os momentos, que precedem à abordagem a cavidade bucal, durante a linha de cuidados do paciente crítico, visando a redução da carga viral e a proteção do operador.
Vale relatar que Caruso et al., 2020 abordam o uso do peróxido de hidrogênio em nasofaringe e cavidade oral de pacientes, relatando que a eficácia desse regime será verificada através de uma redução significativa da taxa de hospitalização e de complicações respiratórias em pacientes positivos para o SARSCoV-2, com e sem sintomas leves / moderados. Estimulando o desenvolvimento de ensaios clínicos randomizados com este produto nos pacientes com a COVID19.
Ademais, é importante destacar que a utilização do peróxido de hidrogênio preconizada até o momento, visa uma forma de prevenção de infecção aos profissionais de saúde e não aos pacientes não infectados. (ADA, 2020; ANVISA, 2020).
Por: Camila de Freitas – SOTIEGO Sociedade de Terapia Intensiva do Estado de Goiás
Celi Vieira – SOBRAMI – Sociedade Brasiliense de Terapia Intensiva
Luana Diniz – SOTIMA Sociedade de Terapia Intensiva do Maranhão
Artigos referenciados:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32271653/
http://abramede.com.br/wp-content/uploads/2020/02/PIIS0195670120300463.pdf
https://www.journalofhospitalinfection.com/action/showPdf?pii=S0195-6701%2814%2900059-0
https://www.nature.com/articles/s41368-020-0074-x
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2590088920300081
https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/26/7/20-0915_article